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Resumo de livro: Inferno Provisório, de Luiz Ruffato

Olá, leitor(a)!

Inferno Provisório, de Luiz Ruffato, foi escrito originalmente em cinco volumes: Mamma, Son Tanto Felice (2005), O Mundo Inimigo (2005), Vista Parcial da Noite (2006), O Livro das Impossibilidades (2008) e Domingos sem Deus (2011). Em 2016, o livro foi relançado em volume único por uma nova editora.

A obra se passa entre a década de 1950 e o início dos anos 2000, narrando histórias de diversas famílias pobres do Brasil. Cada capítulo apresenta uma história, porém, os personagens acabam se repetindo em diversos momentos. A extrema pobreza da classe operária, à qual são negados direitos fundamentais de sobrevivência, é um dos elementos centrais do romance.

André, André pequeno, Andrezim, parto difícil, até o último respiro a tia Maria Zoccoli suava ao alembrar: dos que chegaram pelas suas mãos e vingaram, o pior, nasceu sentado, embora doessem-lhe quantos inascidos!, abortos horrendos, monstros, aleijados, anjinhos semeando o lado de trás, o das bananeiras, das casas das fazendolas nos derredores de Rodeiro, quantos! Andrezim não, vicejou, quase afadigando de vez a Micheletta velha, mulher efêmera, sempre dessangrada, azul-clara de tanta brancura, atrofiada na cama, doente todo ano, embarrigada, esvaindo a mocidade pelos baixios, vinte anos de gravidezes, um estupor, treze rebentos — oito filhas-mulheres —, espigados, cabelos algodão tão louros, bochechas avermelhadas engordando vestidos de bolinhas, caras apimentadas enchendo calções esgarçados. Prático, o Pai, o Micheletto velho, costumava pascentar os nenéns: seis, sete meses passados, se o raio continuava a berrar na hora de mamar, encilhava o cavalo numa sexta-feira e, terno-gravata, ia na Rua registrar o novo Micheletto, nomes brincando na cabeça. Frente ao tabelião, à pergunta, Como vai chamar?, acabrunhava, e, para não se vender xucro, sacava a primeira lembrança da Bíblia e homenageava o fedegoso, aliviado.

Resumo da obra

Inferno Provisório, Luiz Rufatto

Fonte: Reprodução

A história tem início nos anos de 1950, no povoado de Rodeiro, em Minas Gerais. É de lá que partem diversos migrantes, animados pelo êxodo rural, rumo à Cataguases (no mesmo estado), onde é estabelecido um grande cortiço, em péssimas condições, chamado “Beco do Zé Pinto”.

O enredo é desenvolvido até o ano de 2002, quando populações rurais migram para as grandes metrópoles. Toda a narrativa é baseada nos movimentos de migração, sobretudo de italianos, e no processo de industrialização do país. Ruffato não retrata os grandes acontecimentos, sua abordagem prioriza as pequenas histórias.

Em O Mundo Inimigo, nos deparamos com a população miserável do Beco do Zé Pinto. Lá, diversas famílias sobrevivem sem o mínimo necessário para ter alguma qualidade de vida. Há um destaque especial para o capítulo “A Mancha”, que conta a história de Bibica, ex-prostitua, que agora trabalha lavando roupasBibica tem urgência em encontrar uma forma melhor para criar seus três filhos, especialmente depois da morte do filho Marquinhos. Sem melhores opções, ela se torna amante de Antônio Português, que possui uma mercearia nas proximidades.

Temos aqui um texto que acompanha o fluxo intenso de pensamento da mãe, que tem como fio condutor as intenções de Antônio por ela, se a ama ou não. Em meio a algumas dezenas de linhas sem pontuações ou letras maiúsculas, vemos as questões que permeiam a mente de Bibica. A doença da filha, a missa no dia seguinte, as obrigações com a casa, os pernilongos que a atormentam, etc.

Em seguida, no capítulo “O Profundo Silêncio das Manhãs de Domingo”, nos deparamos com a triste história de Baiano. Ele não gostava de ter empregos fixos, pois, lhe tirava a liberdade. Longe de ser preguiçoso, vivia de “bicos”. Contudo, após ser expulso de casa pelo pai alcoólatra, Baiano foi morar no bairro do Bangu, no Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar em uma bicicletaria.

De volta à Cataguases, ele forma uma família com quatro filhos, mas sua esposa não aparece em boa parte do capítulo. Sabemos que Baiano exerce a função de buscar os afogados nos diversos rios, lagos ou represas de Cataguases. Um deles é o rio Pomba, extremamente poluído. Este rio é presença constante no decorrer do livro, em uma clara alusão à infinidade e impiedade do tempo. Em uma manhã de domingo, Baiano acorda seu filho Cláudio e o leva às margens do rio Pomba.

Então, ele convida o filho a entrar nas águas geladas, descartando qualquer possibilidade de afogamento. O menino entra no rio e tenta se manter na superfície, mas sem sucesso. Após confirmar a morte do filho, Baiano deixa a correnteza levá-lo. Em seguida, dirige-se a uma árvore próxima, amarra uma corda e se enforca.

Em seguida, acompanhamos o declínio físico e mental de Zé Pinto. A administração do Beco estava cada vez mais dificultosa, porque além de lidar com a miséria e a tragédia, havia o problema do tráfico de drogas na região. No capítulo “Era Uma Vez”, temos as lembranças em retrospectiva de Luís Augusto, o Guto. Ele se lembra de uma temporada que passou em São Paulo, em visita a parentes que se estabeleceram na cidade, e do sonho o qual nunca teve coragem de realizar: abandonar Cataguases.

Lemos sobre a paixão não correspondida de Guto e o contraste do estilo de vida em relação ao dos primos, Natália e Nilson. Guto se sente maravilhado com o estilo de vida que seus primos levam na metrópole paulista, mesmo que seja uma vida bem modesta, beirando à pobreza em muitos pontos. Guto retornará no último capítulo da obra, quando o romance encerra com a largada da Corrida de São Silvestre.

Na última parte da obra, a narrativa é dividida em duas colunas separadas para contar a história de Zezé e Dinim, dois amigos de infância que se separaram. Essa não é a primeira vez que o autor usa esse tipo de recurso estético. Além de um texto ágil e cativante, Ruffato entende que a forma das letras e das palavras também ajudam a contar a história, transformando os movimentos dos olhos nas ações realizadas pelos personagens no texto.

O pai de Zezé se muda para o Rio de Janeiro no intuito de trabalhar na construção da ponte Rio-Niterói, no período que ficou conhecido como “milagre econômico”. Já Dinim permanece na pequena Cataguases, que já sabemos se tratar de uma receita para o fracasso. Os dois amigos se reencontram, depois de muitos acontecimentos, e, durante uma tarde de brincadeiras, os dois resolvem experimentar a sexualidade um do outro, o que acaba gerando muitos problemas.

Zé Pinto, o administrador do cortiço, também morre. Todos os sonhos e os amigos enfrentam o mesmo destino, levados pelo rio do tempo, assim como o rio Pomba arrasta o entulho que nele é despejado. O livro termina no último dia do ano de 2002, deixando a cargo do leitor imaginar o que ocorrerá em seguida. Se o que restará da comunidade do Beco irá se deteriorar e sumir, em uma morte lenta e dolorosa, ou se podemos ter esperança de que ela resistirá.

Bibica levou semanas para acreditar que nunca mais veria o Marquinho entrar estabanado no barraco, sempre aturdido, como se acabado de aprontar uma arte. Que nunca mais escutaria o vrum-vrum dele subindo e descendo as escadas do Beco, sob pena de acabar escorregando, Ai meu deus!, e quebrar um braço, uma perna, Minha nossa! O seu Zé Pinto alertou tanto! Êta, menino atentado! Um dia desses esborracha no chão! O Marquinho franzino, perrengue, reliento como ele só. O Marquinho, esse, não veria mais, nunca. E o que a deixava doente era, por uma razão que não atinava, não conseguir lembrar das feições do filho. Jamais confundiria o cheiro do seu mijo no colchão de capim; as suas ninharias — uma manivela, uma latinha de grude, uma caixinha vazia de rapé, uma bola de meia, o saquinho de biloscas — permaneciam impregnadas de sua vozinha esganiçada; os poucos farrapos mantinham ainda a febre do seu corpo. Mas: como era o feitio do seu rosto?, o formato e a cor dos seus olhos?, a costura da sua boca?, o desenho do seu nariz?, o contorno do seu queixo?, o rasgado das suas orelhas? Tudo isso esfumara.

Análise da obra

O livro é um retrato das misérias que assolaram o interior do país. Repleto de desigualdades que, segundo o autor, faz com que o termo “capitalismo selvagem” não seja só uma metáfora. O tom geral é de muito pessimismo, uma desilusão geral com o futuro aliada a uma visão nada romântica do passado. O próprio título da obra já revela o projeto literário do romance.

O termo “Inferno” aponta para a decadência dos personagens até situações de mais absoluto desespero, como uma descida ao inferno. Diferentemente das histórias de heróis e poetas clássicos, contudo, não encontramos um guia ou uma missão nessa descida, somente o infortúnio e a desgraça das almas condenadas.

Já o termo “Provisório” se refere à efemeridade das coisas. Os migrantes são os personagens centrais da trama que, indo e vindo, não se demoram em lugar nenhum. Mesmo quando fixam residência, não estabelecem laços, não formam um senso de comunidade. Tudo no livro é provisório: as casas, os poucos bens, as amizades, as pessoas, as vidas. Nem mesmo o rio, com toda a sua força é perene. Suas enchentes o tiram de curso e suas águas o renovam a cada passagem pela margem, onde arrasta toda a imundície física e moral da população.

Contexto histórico

O contexto histórico da obra envolve o processo de pós-modernização e globalização do capitalismo, tendo como recorte o êxodo rural no Brasil.  Inferno Provisório, de Luiz Ruffato, retrata as dificuldades de adaptação e sobrevivência dos migrantes em outras culturas.

O autor apresenta, em sua narrativa, toda a tensão social e econômica da sociedade brasileira desde os anos de 1950 até os dias atuais. Ele foca nas relações e intercâmbios culturais, bem como no choque de identidade que esse processo ocasiona. Em suma, acompanhamos a história do proletariado brasileiro e de todas as provações diárias que as classes menos favorecidas passam no decorrer da vida.

Relevância da obra

Inferno Provisório está entre os melhores livros a retratar o Brasil contemporâneo nos mais variados aspectos: social, cultural, e econômico. O autor conseguiu captar, de forma singular, as mudanças provindas do processo de desenvolvimento econômico do século XX e, como resultado, venceu o Prêmio Machado de Assis, o mais relevante do país.

A criação de uma saga sobre a classe trabalhadora brasileira, que posiciona figuras invisíveis da sociedade no protagonismo da história, foi um projeto audacioso e bem elaborado. Por esses e outros motivos, a obra de Luiz Ruffato é tão importante para a literatura brasileira, sendo, inclusive, exigida em diversas provas, concursos públicos e vestibulares.

Notas sobre o autor

Luiz Rufatt0, nascido em 1961, na cidade de Cataguases, atuou como jornalista em diversos veículos até meados de 2003, quando decidiu abandonar a carreira para se dedicar à literatura. O autor publicou livros de diferentes gêneros, como romances, ensaios e antologias poéticas.

Alguns deles foram destaques nacional e internacional, sendo traduzidos para o inglês, alemão, francês, espanhol, italiano e finlandês. Atualmente, Ruffato retomou a carreira de jornalista e escreve semanalmente para a versão brasileira do jornal El País.

Exaurido, Fernando dispôs o quadro da bicicleta no ombro e escalou os degraus que desembocavam no quintal da casa. Na varanda de telhas de amianto assentou o descanso, trancou o cadeado, apanhou a sacola e desafastou devagar a porta da cozinha, que sabia destramelada. A sacola, depositou devagar sobre a mesa, arrastou o conga preto pelo cimento liso esverdeado até o quarto e esbarrou numa cadeira. ‘Nando?’, a mãe sussurrou, dificultosa, ‘Nando?’ A parca luz desvendou o beliche vazio, ‘Uai, mãe, cadê o Lilinho, o Nélson?’ ‘No quarto, comigo’, e a pasta roxa-rósea do rosto deformado da mulher, ‘De novo, mãe?’.
Um brilho azul-alaranjado lançava-se da boca do cachimbo do fogão a gás, espalhando o lume por sobre a toalha de plástico talvez verde e o vermelho vivo dos embrulhos desordenados, ‘Que isso, Nando?’, apontou, lábios inchados, escadeiras doídas. ‘Uns trens… Presentes…’ Destampou o prato de arroz feijão angu bife ovo que tremulava sobre a vasilha de água fervente, ‘Ai, coitadinho do meu bem’, a alça da camisola coletando lágrimas. ‘Fica com raiva não, meu filho… Nervosismo do seu pai… Ralhou com a Norma… comigo… Deve de ter bebido um pouquinho…’ ‘Cadê ele?’ ‘Por aí… Daqui a pouco… Senta, a comida já quentou…” ‘Quero não, mãe’.

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Boa leitura e até a próxima!

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