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Resumo de livro: As Meninas, de Lygia Fagundes Telles

Olá, leitor(a)!

Publicada em 1973, As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, é uma narrativa que retrata a vida de três garotas que moram em um pensionato de freiras na cidade de São Paulo, durante a ditadura militar brasileira.

As protagonistas Ana Clara, Lia e Lorena contam suas histórias com sonhos, opiniões e problemas de vida diferentes. O fato de a narrativa apresentar três narradoras, e o fluxo de consciência utilizado para que se mostre as distintas personalidades, pode confundir o leitor. Contudo, no decorrer da leitura, facilmente é possível perceber que cada uma delas possui uma maneira particular de fazer a sua narração, com vocabulário e  linguagem próprias.

Conhecida por sua audácia, a premiada autora descreve uma cena de tortura muito marcante. No restante do livro, entretanto, é de maneira sutil que ela insere outras questões importantes do período da ditadura, usando os problemas pessoais das personagens para tratar pontos como a liberdade de expressão, a emancipação da mulher e a realização pessoal e social das pessoas em meio a um cenário político repressor.

Tudo isso fez com que a obra fosse muito bem recebida pela crítica e contribuiu para que a autora recebesse importantes premiações e fosse indicada ao Nobel. Lygia Fagundes Telles não só foi muito corajosa em tratar temas polêmicos em um período de repressão, mas apresentou com maestria uma exímia representação do olhar feminino acerca do mundo.

Quero que ouça o trecho do depoimento de um botânico perante a Justiça, ele ousou distribuir panfletos numa fábrica. Foi preso e levado à caserna policial, ouça aqui o que ele diz, não vou ler tudo: Ali interrogaram-me durante vinte e cinco horas enquanto gritavam, Traidor da Pátria! Nada me foi dado para comer ou beber durante esse tempo. Carregaram-me em seguida para a chamada capela: a câmara de torturas. Iniciou-se ali um cerimonial frequentemente repetido e que durava três a seis horas cada sessão. Primeiro me perguntaram se eu pertencia a algum grupo político. Neguei. Enrolaram então alguns fios em redor dos meus dedos, iniciando-se a tortura elétrica: deram-me choques inicialmente fracos que foram se tornando cada vez mais fortes. Depois, obrigaram-me a tirar a roupa, fiquei nu e desprotegido. Primeiro me bateram com as mãos e em seguida com cassetetes, principalmente nas mãos. Molharam-me todo, para que os choques elétricos tivessem mais efeito. Pensei que fosse então morrer…

As Meninas, Lygia Fagundes Telles

Fonte: Reprodução

Resumo da obra

Como já informado, inicialmente, o livro narra a vida de três garotas universitárias em transformação. Elas se conhecem e se tornam muito amigas ao ficarem instaladas em um pensionato de freiras, na cidade de São Paulo, em plena ditadura militar brasileira.

Além de personalidades diferentes, identificadas na narrativa pela linguagem e vocabulário que cada uma utiliza, as condições sociais das personagens também não são as mesmas – indicando a intenção da autora de ampliar a discussão de temas e realidades diversas na obra.

Em convivência, durante o recesso da faculdade, as jovens se conhecem melhor e fortalecem a amizade ao dividir seus dramas e anseios. O enredo se passa, principalmente, no quarto de Lorena, o maior e mais aconchegante ponto de encontro das amigas. Contudo, outros ambientes são apresentados por meio das memórias e pensamentos das personagens.

Para que seja possível a aproximação e compreensão do leitor de como cada uma sente o mundo, a narrativa é construída pelas três personagens e um narrador onisciente, usando como recurso, muitas vezes, o fluxo de consciência. Por essa razão, a história não é desenvolvida de maneira linear (início, meio e fim), ainda que haja um desfecho para cada protagonista. O que lemos e aprendemos sobre elas segue o ritmo do desvendar de consciência que elas vão tendo sobre si mesmas. Assim, as histórias internas ganham mais relevância que a história geral da obra.

Com valores morais distintos, as personagens representam três tipos de figuras femininas:

Ana Clara, uma estudante de psicologia que teve uma infância pobre, com histórico de abuso sexual e dificuldades familiares. Viciada em drogas e desadaptada socialmente, é tida como a figura da jovem desencaminhada e predestinada à vulgaridade e ao trágico. Uma mulher linda, que não apenas desenvolve dependência às drogas, mas também às relações amorosas.

Lia tem o perfil da jovem militante de esquerda da classe média (não é pobre, mas tem dificuldades financeiras). A estudante de Ciências Sociais se mostra uma figura sonhadora, crítica, honesta e bondosa. Consciente dos novos modos de pensar o papel da mulher na sociedade, lendo intelectuais como Simone de Beauvoir, a jovem procura meios de libertar o namorado (líder estudantil).

Lorena, por sua vez, é a que melhor representa a elite brasileira. Abastada financeiramente, a estudante de Direito possui muitos valores tradicionais. É virgem, deseja se casar e vê um futuro marido como a salvação para seus problemas. Embora tenha tido uma boa educação, cultura invejável e possua traços de delicadeza e graciosidade, a jovem sofre com a lembrança da morte de um dos irmãos, os complexos da mãe com a idade e os próprios complexos com a aparência física.

O fim do livro coincide com o final do recesso escolar. Lorena é a única que encerra sua história de maneira menos conflituosa ou trágica, tendo em vista que Ana Clara morre de overdose e Lia acaba tendo que fugir do país.

 O bezerro de ouro está instalado na praça e a senhora me fala em espiritualidade. Os adoradores não são espirituais porque são adoradores, entende? O povo não é espiritual porque o povo quer fazer parte da adoração e não pode nem chegar perto, está desesperado, aquele brilho, aquele exemplo de conforto, gozo. Esses desastres, esses crimes, tudo isso é desespero, o povo está sem esperança e nem sabe. Então fica subindo nos postes, dando tiro à toa, bebendo querosene e gasolina de aflição. Medo. Eu estava desorientada. Agora sei o que fazer.

Estrutura da obra

Dividida em 12 capítulos, a narrativa de As meninas é feita de forma peculiar, tendo três narradoras contado suas histórias em primeira pessoa em alguns momentos e, em outros, um narrador onisciente. Além disso, o discurso indireto livre, os monólogos interiores, as memórias são recursos que dão ao leitor a possibilidade de conhecer todos os aspectos da personalidade de cada uma das personagens principais. Vejamos um pouco mais sobre o foco narrativo, tempo e espaço da obra.

Narrador, foco narrativo e linguagem

O foco narrativo alterna muitas vezes entre o narrador onisciente, terceira pessoa, e os pensamentos (e memórias) das três protagonistas, primeira pessoa, tornando-se possível explorarmos as histórias das garotas de maneira mais profunda. Embora, a princípio, isso também ofereça certa dificuldade para compreender quem está falando, a linguagem utilizada por cada uma delas as tornam identificáveis.

Quando estamos no centro dos pensamentos e narrativa de Ana Clara, a linguagem é confusa, com muitos devaneios apresentados em fluxo de consciência – que parece aludir à história de vida e dependência química da personagem. Lia, por sua vez, se comunica de maneira mais objetiva, ainda que informal, e utiliza um vocabulário típico do perfil de intelectual e militante. Lorena possui uma fala mais elaborada e descreve sua vida e seus pensamentos de maneira mais organizada, o que marca bastante seu lugar social e sua postura diante da vida.

Tempo e espaço

Na obra, o espaço e tempo dos acontecimentos não são precisos. Isso acontece, em grande parte, devido aos recursos literários mencionados anteriormente. Com tantas narradoras, memórias e monólogos, há muitos espaços e tempos. De toda forma, é possível identificar que o tempo histórico é o da ditadura militar brasileira, nos anos 70, e o tempo de compartilhamento de experiências entre elas é do recesso escolar. Além disso, o romance é marcado pelo tempo psicológico de cada uma das protagonistas.

O espaço predominante da obra é o quarto da Lorena, no pensionato localizado na cidade de São Paulo. Outros espaços são mencionados, como a região do nordeste e a universidade, por exemplo, mas são de menor relevância para a história.

Contexto histórico

O contexto histórico da obra é o período conhecido como Ditadura Militar no Brasil. Nessa época, as pessoas eram censuradas e até mesmo torturadas e mortas por possuírem opiniões diferentes do militarismo que administrava o país.

Diante disso, as diferentes produções culturais brasileiras utilizaram-se das mais variadas formas de burlar a censura imposta e realizar críticas veladas ao regime ditatorial. Lygia Fagundes Telles, por exemplo, ousou ao escrever um livro que falasse diretamente sobre o período, mesmo que de maneira sútil.

O contexto histórico presente em As Meninas é muito importante para a narrativa, pois insinua que a luta por libertação das garotas, no que diz respeito ao modo de vida e ao papel social, tem relação com a luta pela retomada da liberdade e democracia no nosso país.

(…) antigamente a santidade era vista como o máximo de penitência, caridade, aquilo que você sabe. Mudou tudo. Hoje um cristão não pode alcançar a salvação da alma sem ouvir objetivamente à sociedade. Não sei explicar, mas todo aquele que luta com plena consciência para ajudar alguém em meio da ignorância e da miséria, todo aquele que através dos seus instrumentos de trabalho, do seu ofício der a mão ao vizinho é santo. Os caminhos podem ser tortos, não interessa. É santo.

Relevância do livro

A obra se tornou extremamente importante por mostrar um pouco da sociedade brasileira da década de 70, desafiado a censura rigorosa da ditadura militar ao narrar uma tortura. Além disso, trata-se de um livro escrito por uma mulher, corajosa o suficiente para retratar de forma primorosa três personagens femininas intensas e abordar temas polêmicos para a época, como sexo e prazer feminino.

Por esses e muitos outros motivos As Meninas entrou para o hall de livros importantes da literatura brasileira, garantindo à Lygia Fagundes Telles a posição de escritora prestigiada.

Notas sobre a autora

Conhecida como a “dama da literatura brasileira”, por sua postura e relevância na literatura do país, Lygia Fagundes Telles é considerada uma autora expoente do movimento literário pós-moderno no Brasil.

Nascida em São Paulo no ano de 1923, a escritora paulistana se interessou pela literatura desde a adolescência, tendo publicado seu primeiro livro aos 15 anos. Formada em Direito e Educação Física pela Universidade de São Paulo, a literatura não deixou de ser parte de sua vida.

É um dos grandes nomes femininos da literatura nacional, conquistando diversas premiações literárias importantes, como, por exemplo, o Prêmio Jabuti e o Prêmio Camões. Além disso, Lygia é membro da Academia Brasileira de Letras e foi indicada ao Prêmio Nobel de Literatura, em 2016.

 – (…) Você não sabe guiar? Leva o carro e deixa lá com Loreninha, quem sabe ela resolve vir. Minha filhinha querida. Foi uma criança tão educada, tão gentil. Colecionava pedrinhas, folhas. Estava sempre salvando algum bichinho que caía no rio. Ela ainda é virgem?

– Ainda.

– Fico tão feliz por saber que continua pura – murmurou com uma expressão de beatitude. Mas logo a testa se franziu. A voz ficou embuçada: – Você não acha que ela se interessa pouco por sexo? Tenho às vezes tanto medo, está me compreendendo? Aumentou tanto ultimamente, você sabe, essas moças…

Mastigo mais um bombom.

– Não quero ser rude, mãezinha, mas acho completamente absurdo se preocupar com isso. A senhora falou em crueldade mental. Olha aí a crueldade máxima, a mãe fica se preocupando se o filho ou filha é ou não homossexual. Entendo que se aflija com droga e etcétera, mas com o sexo do próximo? Cuide do próprio e já faz muito, me desculpe, mas fico uma vara com qualquer intromissão na zona sul do outro, Lorena chama de zona sul. A norte já é tão atingida, tão bombardeada, mas por que as pessoas não se libertam e deixam as outras livres? Um preconceito tão odiento quanto o racial ou religioso. A gente tem que amar o próximo como ele é e não como gostaríamos que ele fosse.

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Boa leitura e até logo!

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