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Artigo Prof. André Rodrigues: A mídia e sua relação com a má formação intelectual

Olá leitores do Canal do Ensino,

Artigo enviado pelo professor André Rodrigues

A expressão “meio de comunicação” refere-se ao instrumento ou à forma de conteúdo utilizados para a realização do processo comunicacional. Entende-se por meios de comunicação de massa, o conjunto de meios de comunicação, destinados ao grande público: o cinema, o rádio, a televisão, o vídeo, a imprensa escrita como os jornais, revistas e outros e, a partir da década de 1990, com destaque a internet.

            Esses meios resultaram da necessidade de comunicação rápida com um grande número de pessoas que pertencem a todas as classes sociais e têm diferente formação cultural. Sua origem remonta à Revolução Industrial no século XVIII, mas sua consolidação se dá em meados do século XIX, quando a ascensão da burguesia torna mais complexa a vida urbana. Aparece, então, nesse processo, o surgimento de grupos de especialistas com interesses particulares, e que, de certa maneira, impõem padrões e homogeneízam o gosto por meio da difusão de seus produtos. Eles têm a intenção de converter em entretenimento guerras, genocídios, greves, cerimônias religiosas, catástrofes naturais e das cidades, obras de arte, obras de pensamento, etc. Há um “perigo” devido ao fato de que os meios de comunicação de massa pertencem a grupos muito fechados, que detêm o monopólio de sua exploração e, com isso, adquirem o poder de manipular a opinião pública nos assuntos de seu interesse no campo da comunicação, da política e outros. (ARANHA, 1997, p. 41).

            Esse “perigo” ganhou proporções gigantescas na formação dos Estados Totalitários (por exemplo os nazi-fascistas), onde pequenos grupos partidários se transformaram em “salvação possível” da segurança dos valores burgueses, após as incertezas sociais e políticas de um mundo recém saído da Primeira Grande Guerra, em 1918, e da derrocada da economia mundial após o crash da bolsa de valores de Nova York em 1929. Chauí (2006) apresenta análises sobre a propaganda hitlerista, principalmente sobre seus efeitos na grande massa:

[…] conferências de intelectuais nazistas, discursos de Hitler, transmissão de paradas militares, juvenis, infantis, femininas, entrevistas com militares do partido nazista, transmissão de notícias diretamente das frentes de guerra, concertos e óperas de compositores alemães autênticos foram empregados para convencer a sociedade alemã da grandeza, da justeza e do poderio do Terceiro Reich. (CHAUÍ, 2006, p. 44).

Nesse contexto, a propaganda se tornou a arma de divulgação das insatisfações e anseios de grupos específicos, que conseguiram “democraticamente” se tornar os representantes das vontades populares (em maior escala na Alemanha, Itália e Espanha), provocando a disseminação, por exemplo, de idéias de extermínio de uma raça e da conquista de territórios considerados “atrasados” e “inferiores”, o que resultou em novos conflitos e em uma Guerra ainda mais violenta posteriormente.

Segundo Chauí (2006, p. 37) a palavra propaganda, significa:

[…] multiplicar uma espécie por meio da reprodução, espalhar-se por um território, aumentar numericamente por contágio, irradiar-se, difundir-se e, por extensão, divulgar. A propaganda é uma difusão e uma divulgação de idéias, opiniões, valores, informações para o maior número de pessoas no mais amplo território possível.

Quando a propaganda se alia ao comércio, fenômeno característico da sociedade pós-industrial na fase neoliberal, ela ganha um outro sentido:

[…] se apropria de atitudes, opiniões e posições críticas ou radicais existentes na sociedade, esvazia e banaliza seu conteúdo social ou político e as investe em um produto, transformando-as em moda consumível e passageira. Feminismo, guerrilha revolucionária, movimentos culturais de periferia, liberação sexual, direitos humanos etc., arrancados do contexto que lhes dá sentido, são transformados em imagens que vendem produtos. (CHAUÍ, 2006, p. 40).

Os meios de comunicação de massa são um produto dos avanços tecnológicos e são apropriados pela “Indústria Cultural” e por isso, estão intimamente voltados aos interesses particulares de grupos minoritários que tendem a transformar seus valores e ideais em senso comum, logicamente em torno da garantia do poder político e do lucro obtido com a disseminação de suas vontades específicas.

 Indústria cultural (em alemão: KulturIndustrie) é um termo cunhado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), membros da Escola de Frankfurt. O termo aparece no capítulo Kulturindustrie – Aufklärung als Massenbetrug na obra Dialektik der Aufklärung (em português: Dialética do Esclarecimento), de 1947.

  Neste capítulo os autores analisam a produção e a função da cultura no capitalismo. Os autores criaram o conceito de Indústria Cultural para definir a conversão da cultura em mercadoria. O conceito não se refere aos veículos (televisão, jornais, rádio…), mas ao uso dessas tecnologias por parte da classe dominante, para disseminação de suas idéias conformistas e controle da população. A produção cultural e intelectual passa a ser guiada pela possibilidade de consumo mercadológico com a mais abrangente face capitalista.

A expressão “Indústria cultural” representa as bases do Totalitarismo Moderno, ao promover a alienação do homem, entendida como um processo pelo qual o indivíduo é levado a não meditar sobre si mesmo e sobre a totalidade do meio social circundante, transformando-se com isso em mero joguete e, afinal, em simples produto alimentador do sistema que o envolve (COELHO, 1980, p. 28).

Essa comunicação de massa nos impõe um padrão de vida e felicidade a ser alcançado, com objetivos e ideais muitas vezes impossíveis para todos, mas diante da televisão, por exemplo, isso se torna possível. Assim, os indivíduos abdicam de sua liberdade em troca do que vêem, ouvem, sentem através dos meios de comunicação e deixam-se ser controlados. Os principais responsáveis por esse estado de coisas são as classes sócio-econômicas dominantes e os governos que as servem, que utilizam esses meios de comunicação de modo a exercer seu controle sobre a sociedade.

No caso do Estado, a sutileza consiste em aumentar propositadamente a obscuridade do discurso para que o cidadão se sinta tanto mais informado quanto menos puder raciocinar convencido de que as decisões políticas estão com especialistas – críveis e confiáveis – que lidam com problemas incompreensíveis para os leigos. (CHAUÍ, 2006, p. 9).

A intenção ideológica por trás da inculcação desses valores impostos é uma possível e preocupante visão de mundo estruturada em uma mesma matriz de pensamento, um mesmo comportamento, hábitos e costumes semelhantes que tendem a ser difundidos, particularmente pela TV. Há uma produção teórica interessada e conveniente, totalmente manipulada, que visa fazer as pessoas pensarem de tal modo, julgando que pensam ou teorizam por conta própria. Nessa relação entre Indústria Cultural e meios de comunicação de massa percebe-se a anulação dos valores individuais, na medida em que não há reação efetiva do receptor, este passa a contentar-se com “dados” que saem do nada e levam a parte alguma, e acomodar-se a esse universo vazio de significação em que se transformam suas vidas. O indivíduo, portanto, deixa de existir, especialmente o indivíduo pensante, e é substituído por esse “indivíduo de estatística”, por esse indivíduo que é a massa. A informação veiculada pelos meios de comunicação de massa segue apenas um sentido, da fonte para o receptor, sem retorno: com isso, não há informação, mas conformação. A velocidade que acompanha a dinâmica das informações transmitidas indica que tais meios:

São feitos de modo que sua apreensão adequada exige rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, porém impedem, efetivamente, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que se desenrolam rapidamente a sua frente (CHAUÍ, 2006, p. 30).

A ação dos meios de comunicação em relação à Cultura é um dos fenômenos mais característico do séc. XXI, na medida em que transforma a arte da criação em uma marca ou uma imagem voltada para o consumo. Abordando esse aspecto, Chauí (2006) atribui à mídia os seguintes possíveis riscos:

1) de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas; 2) de trabalho da criação, tornarem-se eventos para consumo; 3) de experimentação do novo, tornarem-se consagração do consagrado pela moda e consumo; 4) de duradouras, tornarem-se parte do mercado da moda, passageiro, efêmero, sem passado e sem futuro; 5) de formas de conhecimento que desvendam a realidade e instituem relações com o verdadeiro, tornarem-se dissimulação, ilusão falsificadora, publicidade e propaganda. (CHAUÍ, 2006, p. 21)

A reprodução cultural em série de obras de arte, livros de filosofia, manuais de astronomia e física quântica, músicas clássicas, etc., apresenta à grande massa a sensação de uma “democratização” do acesso aos bens culturais, mas, no entanto, há uma divisão social bastante nítida na aquisição desses bens e uma separação muito clara entre “elite culta” (que participa do circuito de informações “caras” e “raras”) e “massa que tem acesso restrito à cultura” (que acessa, na verdade, informações “baratas” e “comuns”). Essa divisão se torna clara:

(…) no caso dos jornais e revistas, por exemplo; a qualidade do papel, a qualidade gráfica de letras e imagens, o tipo de manchete e a matéria publicada definem o consumidor e determinam o conteúdo daquilo a que terá acesso e o tipo de informação que irá receber (idem, p. 29).

Esses meios de comunicação propõem, através da teoria que veiculam, que o que vale é o circunstancial, o efêmero, o passageiro. Buscam levar as pessoas a terem como idéias verdadeiras aquilo que nada permanece na memória: da moda ao comprometimento político, tudo passa e tende a perder-se. Nada deve permanecer como era: tudo deve continuamente fluir, estar em movimento, pois só o triunfo universal do ritmo de produção mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa ser enquadrado (ADORNO e HORKHEIMER, 2007, p. 27). Tomamos como exemplo particular na História do Brasil recente a estatística do jornal Folha de São Paulo[1] que revela o incrível número de 82% dos brasileiros acima de dezesseis anos que não têm conhecimento do que representou o Ato Institucional n° 5[2] para a História do Brasil. Como Imaginar que no período de apenas 40 anos, grande parcela da população brasileira tenha esquecido, ou desconheça, sua própria história?

E isso já acontece também com as gerações de jovens europeus, que já não sabem quem foram Franco ou Mussolini! A abundância de informações sobre o presente não lhes permite refletir sobre o passado (ECO, 2008)[3]. É lastimável para historiadores e professores de História que a sociedade brasileira não dê importância ao conhecimento do passado. E é em torno dessa triste realidade, de uma “alienação coletiva”, que o que se produz como conhecimento, para se tornar conhecido ou valorizado, deva tornar-se espetáculo, algo a ser entendido e esquecido continuamente, inclusive a relação do homem com sua História.

BIBLIOGRAFIA

CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.

CODO, Vanderley. O que é Alienação? (Coleção Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 2004.

COELHO, Teixeira. O que é Indústria cultural? (Coleção Primeiros Passos). São Paulo: Brasiliense, 1980.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

______.  Cultura e barbárie européias. Tradução de Daniela Cerdeira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

______. O Método 4: habitat, vida, costumes, organização. Trad. de Juremir Machado da Silva, 4º Ed. Porto Alegre: Sulina, 2008

______. O método 5: a humanidade da humanidade. Trad. de Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2007.

______. Os sete saberes necessários à Educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.

______. Para sair do século XX. Tradução de Vera Azambuja Harvey. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1986.

______. Para onde vai o mundo? Tradução de Francisco Morás. Rio de Janeiro: Vozes, 2010b.

[1] Matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo intitulada: “Oito em cada dez brasileiros nunca ouviram falar do AI-5” de 13/12/2008. (Ver em anexo 1 o conteúdo da notícia na íntegra)

[2] Editado em 13 de dezembro de 1968 pelo então presidente, o general Costa e Silva, o AI-5 autorizava o Executivo a fechar o Congresso, cassar mandatos, demitir e aposentar funcionários de todos os poderes. O governo podia legislar sobre tudo, e suas decisões não podiam ser contestadas judicialmente.

[3] Umberto Eco em entrevista publicada no jornal espanhol “El Pais” e reproduzida pelo caderno Mais! da Folha de São Paulo, de 12 de maio de 2008. (Ver em anexo 2 um resumo desta entrevista)

Site: www.historiaemperspectiva.com

Vídeos de História: www.youtube.com/user/andrewunesp/videos

Um abraço e até a próxima

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