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Antologia Poética, de Vinícius de Moraes

Olá, leitor!

Considerada uma obra com os poemas mais significativos de Vinícius de Moraes, o livro Antologia Poética, lançado em 1954, carrega consigo o melhor da poesia desse autor que, por sua vez, encontra-se dentre os poetas brasileiros mais importantes.

A organização desta obra fora feita pelo próprio Vinícius de Moraes, sendo reeditada e ampliada em 1960 pela editora do autor. Um fato curioso é que a edição desta obra não possui data, apenas o ano da edição.

Os poemas que englobam o livro são equivalentes a 21 anos de publicações do poeta, sendo que muitas das obras que compõe essa antologia, feitas em pequenas tiragens ou então de livros esgotados, que foram reunidos nesta coletânea pelo autor.

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Soneto de aniversário

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece…
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

Rio, 1942

Estrutura da obra

Publicado em 1954, Antologia Poética reúne 6 livros de Vinícius de Moraes (O caminho para a distância, 1933; Forma e exegese, 1935; Ariana, a mulher, 1936; Cinco Elegias, 1943; Poemas, sonetos e baladas, 1946; Novos Poemas II, 1959) bem como algumas obras de publicações independentes em jornais ou da sua fase de compositor e letrista de músicas, numa coletânea de um pouco mais de 300 páginas.

Para melhor compreender o conteúdo desta obra, faz-se necessário entender as fases da produção poética do autor ao decorrer do livro, que pode ser dividida em três etapas diferentes.

A primeira fase, busca retratar o amor em toda a sua liquidez, devido às experiências e as vivências amorosas do próprio autor, que procura retratar a convergência desse sentimento entre o universo metafísico e o universo material, ou seja, uma concepção em dimensões físicas e espirituais do amor.

RECEITA DE MULHER

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul,
como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

COMO DIZIA O POETA 

Quem já passou 
Por esta vida e não viveu 
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu 
Porque a vida só se dá 
Pra quem se deu 
Pra quem amou, pra quem chorou 
Pra quem sofreu, ai 

Quem nunca curtiu uma paixão 
Nunca vai ter nada, não 

Não há mal pior 
Do que a descrença 
Mesmo o amor que não compensa 
É melhor que a solidão 

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair 
Pra que somar se a gente pode dividir? 
Eu francamente já não quero nem saber 
De quem não vai porque tem medo de sofrer 

Ai de quem não rasga o coração 
Esse não vai ter perdão

A segunda fase, por sua vez, abrange muito da produção poética que foram imortalizadas através de canções e poemas melódicos e ritmados que se encaixam em letras tão belas quanto as próprias composições do autor para a MPB, como também, por outro lado, a fase mais crítica do autor sobre as questões de paz devido à guerra. A poesia dessa fase caracteriza-se através de versos sensíveis e belos, com imagens intensas e marcantes, mesmo que seja para expressar sua indignação com a humanidade, mesmo que seja para expressar as tragédias da utilização da bomba atômica e falar sobre guerra e paz.

BALADA DOS MORTOS DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO

Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald!
Ocos, flácidos cadáveres
Como espantalhos, largados
Na sementeira espectral
Dos ermos campos estéreis
De Buchenwald e Dachau.
Cadáveres necrosados
Amontoados no chão
Esquálidos enlaçados
Em beijos estupefatos
Como ascetas siderados
Em presença da visão.
Cadáveres putrefatos
Os magros braços em cruz
Em vossas faces hediondas
Há sorrisos de giocondas
E em vossos corpos, a luz
Que da treva cria a aurora.
Cadáveres fluorescentes
Desenraizados do pó
Que emoção não dá-me o ver-vos
Em vosso êxtase sem nervos
Em vossa prece tão-só
Grandes, góticos cadáveres!
Ah, doces mortos atônitos
Quebrados a torniquete
Vossas louras manicuras
Arrancaram-vos as unhas
No requinte de tortura
Da última toalete…
A vós vos tiraram a casa
A vós vos tiraram o nome
Fostes marcados a brasa
Depois voz mataram de fome!
Vossa peles afrouxadas
Sobre os esqueletos dão-me
A impressão que éreis tambores —
Os instrumentos do Monstro —
Desfibrados a pancada:
Ó mortos de percussão!
Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald!
Vós sois o húmus da terra
De onde a árvore do castigo
Dará madeira ao patíbulo
E de onde os frutos da paz
Tombarão no chão da guerra!

 A ROSA DE HIROXIMA

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

A terceira fase ainda se encaixa em suas influências músicas, desde suas composições até a temática amorosa sempre presente em seus textos, contudo, com a utilização de misticidade e de conteúdos mais próximos à cultura popular das ruas, dos becos e das vielas, a cultura da periferia, dos negros, da boemia, questões as quais sempre foi muito ligado. Nessa fase também se pode destacar a composição dos sonetos de Vinícius de Moraes, uma modalidade poética em que esse autor mais se destacou, como também, que o colocou entre os mais celebres poetas da literatura brasileira.

SONETO DE FIDELIDADE

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

SONETO DE CONTRIÇÃO

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Notas sobre o autor

Marcus Vinícius da Cruz e Mello Moraes, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913, vindo a falecer na mesma cidade no ano de 1980.

Vinícius de Moraes, além de exímio poeta, atuou nas áreas da diplomacia, da dramaturgia, do jornalismo e da música, compondo diversas músicas e sendo um dos percursores da MPB e criadores da Bossa Nova.

Conhecido por sua vida amorosa tumultuada, que proporcionou ao poeta 9 casamentos, bem como pela sua boemia e composições poéticas e musicais regadas à whiskey. A ampla produção de Vinícius de Moraes abrange livros, peças de teatro, composições de músicas, criação cinematográficas e muitas outras coisas.

A obra poética de Vinícius de Moraes é permeada de poesia lírica, mesmo quando crítica. A sensibilidade e a beleza dos seus versos criam uma roupagem diferenciada para falar de temas tristes ou trágicos, combinando um misto de emoções e sentimentos em um único poema.

A sua importância no cenário artístico brasileiro se dá em diversos campos, contudo, em relação à poesia, esse autor se torna ainda mais importante, não só por produzir excelentes poemas e os mais belos sonetos sobre amor da literatura brasileira, mas, também, por sua produção música, que mostra como a poesia e a música caminham de mãos dadas e são separadas por uma linha tênue, tão fina e translúcida, que podem muitas vezes ser difíceis de serem separadas, são dois termos e concepções artísticas distintas, porém, indissociáveis.

Onde Anda Você – letra de Vinícius de Moraes

E por falar em saudade

Onde anda você

Onde andam os seus olhos

Que a gente não vê

Onde anda esse corpo

Que me deixou morto

De tanto prazer

E por falar em beleza

Onde anda a canção

Que se ouvia na noite

Dos bares de então

Onde a gente ficava

Onde a gente se amava

Em total solidão

Hoje eu saio na noite vazia

Numa boemia sem razão de ser

Na rotina dos bares

Que apesar dos pesares

Me trazem você

E por falar em paixão

Em razão de viver

Você bem que podia me aparecer

Nesses mesmos lugares

Na noite, nos bares

Onde anda você

Até  logo!

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