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A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado

Olá, leitor(a)!

A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado, é uma novela publicada pela primeira vez em 1959, na Senhor, uma das revistas mais importantes daquele período. Logo, a história caiu no gosto popular e foi impressa em livro físico no ano de 1961.

Essa obra é considerada uma das grandes obras-primas de Jorge Amado, devido o seu contexto crítico acerca do estilo de vida da burguesia. Ao mesmo tempo, também se mostra poético, muito bem elaborado e cheio de um humor. Ataca veementemente o comportamento da sociedade de sua época, cujas pessoas trazem a preocupação constante de manter uma “boa imagem”.

O livro se enquadra na segunda fase do modernismo brasileiro. Contudo, foge um pouco à regra, mesmo tendo como pano de fundo o nordeste, como era de praxe nessa escola literária. Em vez de discorrer sobre as problemáticas ruralistas, as explorações sociais, o coronelismo ou os problemas das secas, a obra preferiu evidenciar os contrates e as belezas das camadas mais pobres da Bahia.

Assim, por meio da romantização que Jorge Amado faz das camadas mais populares da sociedade baiana, essa obra caracteriza os variados tipos de personagens a encarnarem as figuras típicas comuns marginalizadas.

Dessa forma, A Morte a Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado, é uma novela que representa o que há de melhor desse autor em relação a sua idealização de massa popular. Traz à tona uma história alegre, cheia de vida e, como de praxe, críticas aos modelos e padrões de vida impostos pela sociedade e pela burguesia.

ATÉ HOJE PERMANECE CERTA CONFUSÃO em torno da morte de Quincas Berro D’água. Dúvidas por explicar, detalhes absurdos, contradições no depoimento das testemunhas, lacunas diversas. Não há clareza sobre hora, local e frase derradeira. A família, apoiada por vizinhos e conhecidos, mantém-se intransigente na versão da tranquila morte matinal, sem testemunhas, sem aparato, sem frase, acontecida quase vinte horas antes daquela outra propalada e comentada morte na agonia da noite, quando a lua se desfez sobre o mar e aconteceram mistérios na orla do cais da Bahia. Presenciada, no entanto, por testemunhas idôneas, largamente falada nas ladeiras e becos escusos, a frase final repetida de boca em boca representou, na opinião daquela gente, mais que uma simples despedida do mundo, um testemunho profético, mensagem de profundo conteúdo (como escreveria um jovem autor de nosso tempo).
Tantas testemunhas idôneas, entre as quais Mestre Manuel e Quitéria do Olho Arregalado, mulher de uma só palavra, e, apesar disso, há quem negue toda e qualquer autenticidade não só à admirada frase mas a todos os acontecimentos daquela noite memorável, quando, em hora duvidosa e em condições discutíveis, Quincas Berro D’água mergulhou no mar da Bahia e viajou para sempre, para nunca mais voltar. Assim é o mundo, povoado de céticos e negativistas, amarrados, como bois na canga, à ordem e à lei, aos procedimentos habituais, ao papel selado. Exibem eles, vitoriosamente, o atestado de óbito assinado pelo médico quase ao meio-dia e com esse simples papel – só porque contém letras impressas e estampilhas – tentam apagar as horas intensamente vividas por Quincas Berro D’água até sua partida, por livre e espontânea vontade, como declarou, em alto e bom som, aos amigos e outras pessoas presentes.

Resumo da Obra

A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água, Jorge Amado

Fonte: Reprodução

A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado, narra a história de Joaquim Soares da Cunha, um pai amoroso, um esposo dedicado e um exemplar funcionário público, sendo um homem muito respeitado pela alta sociedade de Salvador, na Bahia.

Joaquim era casado com Otacília e tinha uma filha chamada Vanda. Era muito respeitado pelos colegas de trabalho, a Mesa de Rendas Estadual, sendo que muitos deles o chamavam constantemente de doutor. Assim, ele passou a sua vida dedicado ao trabalho, à sua carreira e à família. Contudo, depois de completar cinquenta anos, ter se aposentado e construído um bom patrimônio para a sua família, decidiu ir embora de casa para seguir o estilo de vida que queria: uma vida boemia regada de muitas bebidas, prostitutas e amigos.

Assim nasce Quincas Berro D’Água, um dos homens vagabundos e boêmios mais famosos e queridos de Salvador. Esse apelido, por sinal, ele recebe depois de uma certa ocasião em que chega ao bar, onde sempre frequentava, e pede uma dose. O garçom, que o conhece há muito tempo, decidi pregar uma peça e, em vez de servir cachaça, entrega um copo de água. Sem perceber, Joaquim entorna o copo em um só gole, como faria com a cachaça. Quando percebe que é água, ele cospe todo o conteúdo e dá um berro dizendo “é água, é água, é água!”. E assim surgiu seu apelido.

Os anos vão se passando e Joaquim, agora já Quincas, não volta para casa, diz que não quer e está feliz assim. Nesse meio tempo, foram dez anos de vida boêmia. Dona Otacília morre de desgosto pela decisão do marido e a sua filha, por sua vez, torna-se adulta e se casa com Leonardo, um rapaz de família importante. Então ambos, filha e cunhado, vivem a tentar ignorar a existência do pai/sogro, devido ao constrangimento e vergonha que o estilo de vida dele possa causar na imagem da família perante a sociedade burguesa.

Contudo, logo no início, apesar de toda essa história revelada, Quincas Berro D’Água é encontrado morto em sua humilde casa, caído aos pedaços, todo sujo e maltrapilho, praticamente como um mendigo. A família é avisada, bem como todos os amigos pessoais de Quincas, e a classe pobre de Salvador, que o tinham como um grande ídolo.

Vanda, sua filha, passa então a querer recuperar um pouco da honra do pai, ao mesmo tempo em que busca fazer com que sua morte passe despercebida pela sociedade burguesa baiana. Mesmo odiando o estilo de vida do pai e seus amigos, decide por fazer o funeral na pocilga onde ele vivia, apenas para a família e alguns amigos mais chegados de Joaquim.

Vanda tenta arrumar um pouco aquela pocilga, traz um ventilador para aplacar o calor, compra um bom caixão e veste o pai com boas roupas para o funeral. Naquele mesmo dia, além dos familiares mais próximos, alguns amigos de Quincas aparecem, Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-Vento. Os amigos de Quincas encontram-se arrasados, aparecem bêbados e causam muita confusão.

Devido ao cansaço, como também por não aguentarem mais a companhia ou a presença indesejada dos amigos de Quincas, Vanda e Leonardo, junto a outros parentes, decidem ir para casa dormir e descansar, com a intenção de voltar outro dia. Contudo, eles também não querem deixar Quincas sozinho com aqueles amigos bêbados, por isso, pedem para que um tio fique e vigie os amigos para que nada aconteça de errado.

Depois de um tempo, os amigos lamentam e lembram histórias de Quincas. Nesse meio tempo, o tio responsável por guardar o corpo cochila algumas vezes, pois estava muito cansado também. Os amigos de Quincas não gostavam dos familiares dele, achavam-os cheios de pompa e arrogância. Então se aproveitam da sonolência e cansaço do tio de Vanda e dizem para ele ir descansar, enquanto velariam Quincas e se assegurariam de que daria errado até o amanhecer. O tio acaba concordando, pensando que não haveria problema algum, e vai para casa. A partir disso, a ação do enredo realmente começa a acontecer.

Quincas permanece com um sorriso no rosto o velório inteiro, como se estivesse rindo. Devido a isso, os amigos decidem resgatar a imagem de Quincas, colocando nele, novamente, roupas maltrapilhas, despenteando e até mesmo pegando alguns objetos de valores que a família deixou para comprarem cachaça. Depois de tudo isso, eles decidem que Quincas precisa de uma dose de cachaça. Eles começam a beber e dar cachaça para Quincas falecido, fazendo uma espécie de festa no velório.

É quando um dos amigos embriagados de Quincas afirma que o viu piscar duas vezes,  confirmando suas suspeitas de que tudo aquilo não passaria de mais uma das pegadinhas de Quincas, conhecido por fazer inúmeras brincadeiras. Ao contar isso aos amigos, começam a celebrar o fato de ele não estar morto, e dizem que estava na hora de saírem para comemorar e avisar a todos. Principalmente às prostitutas que amavam tanto Quincas, em especial, Quitéria do Olho Arregalado, que ele estava vivo e tudo não passou de uma brincadeira.

Dessa maneira, ele retiram Quincas do caixão e seguem para as ruas de Salvador, arrumando as maiores confusões e fazendo acontecer diversas cenas hilárias. A família descobre, ainda durante à noite, o sumiço do corpo de Quincas e, junto com a polícia, passa a perseguir os amigos do pai que sequestraram o defunto.

Contudo, a forma com que Jorge Amado narra a história, não da para saber se de fato Quincas realmente morreu ou não, pois a narrativa não afirma nenhuma dessas duas hipóteses. Assim, ficamos sem saber se de fato tudo não passou de uma brincadeira ou se Quincas realmente estava morto.

No final, entretanto, depois de irem ao terreiro de candomblé para tomarem um passe e comerem uma famosa muqueca da mãe de santo local, eles acabam entrando no barco para fazerem um passeio no mar. Porém, em alto-mar, uma terrível tempestade os atingem, fazendo com que Quincas Berro D’Água caia na água, não antes de dizer, segundo os amigos bêbados, que não queria ser enterrado em uma caixa no chão, pois preferiria ser engolido pela imensidão do mar.

JÁ NAQUELA HORA A NOTÍCIA DA INESPERADA morte de Quincas Berro D’água circulava pelas ruas da Bahia. É bem verdade que os pequenos comerciantes do Mercado não fecharam suas portas em sinal de luto. Em compensação, imediatamente aumentaram os preços dos balangandãs, das bolsas de palha, das esculturas de barro que vendiam aos turistas, assim homenageavam o morto. Houve nas imediações do Mercado ajuntamentos precipitados, pareciam comícios relâmpagos, gente andando de um lado para outro, a notícia no ar, subindo o Elevador Lacerda, viajando nos bondes para a Calçada, ia de ônibus para a Feira de Santana. Debulhou-se em lágrimas a graciosa negra Paula, ante seu tabuleiro de beijus de tapioca. Não viria Berro D’água naquela tarde dizer-lhe galanteios torneados, espiar-lhe os seios vastos, propor-lhe indecências, fazendo-a rir.
Nos saveiros de velas arriadas, os homens do reino de Iemanjá, os bronzeados marinheiros, não escondiam sua decepcionada surpresa: como pudera acontecer essa morte num quarto do Tabuão, como fora o velho marinheiro desencarnar numa cama? Não proclamara, peremptório, e tantas vezes, Quincas Berro D’água, com voz e jeito capazes de convencer ao mais descrente, que jamais morreria em terra, que só um túmulo era digno de sua picardia: o mar banhado de lua, as águas sem fim?

Estrutura da Obra

A Morte a Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amada, é uma narrativa curta, não chega a ser conto devido ao grande número de personagens e também por causa dos diversos conflitos que ocorrem ao decorrer da história. Sendo assim, essa obra passa a ser caracterizada como novela.

A narrativa se divide em doze capítulos, distribuídos em cerca de 100 páginas, a depender da edição do livro.

Quanto à estrutura da narrativa, ela é psicológica e não linear, ou seja, não segue um tempo cronológico padrão na maioria das vezes, porque utiliza do passado para contar a história de Quincas, dando a entender que se passa em uma história que já aconteceu.

O narrador onisciente nos revela o passados das personagens através de flashbacks.

Contexto Histórico

A história dessa obra se passa na década de 1950, justamente no período histórico de grande expansão cultural e desenvolvimento para o povo brasileiro, coincidindo com a época em que Juscelino Kubitschek era presidente do Brasil. Dessa forma, pairava no ar da sociedade brasileira uma esperança e otimismo na vida social e política, principalmente porque esse período foi marcado também pelo fim da ditadura de Vargas, no ano de 1945.

Esse sentimento de renovação da esperança no cenário social, político e cultural brasileiro inspirou Jorge Amado a trazer para a sua obra um estilo mais leve, permeado pelo fantástico e pelo humor em suas narrativas. Mesmo ela contendo diversos aspectos críticos, Jorge Amado foi um dos primeiros escritores brasileiros do modernismo a passar a lançar mão de uma narrativa mais verdadeira para dar lugar a maior verossimilhança ao contexto de suas histórias. Ou seja, passando a se preocupar mais com o ato de ser um bom contador de histórias do que com aspectos realistas demais em sua literatura.

Notas Sobre o Autor

Jorge Amado é um dos escritores brasileiros mais aclamados, reconhecidos e lidos, tanto nacionalmente quanto internacionalmente, tendo vendido diversos livros e quase todas as suas obras traduzidas para outros idiomas.

Nascido em 10 de agosto de 1912, na cidade de Itabuna, na Bahia, esse escritor baiano fez parte da geração modernista da literatura brasileira, sendo que sua sobras estão permeadas de regionalismo (em especial, da Bahia), enaltação do povo e das camadas sociais mais baixas, enaltação da terra e da cultura baiana e/ou nordestina. Sempre utilizando-se de uma linguagem fiel à região em que ressaltava, escrevendo de uma forma popular, usando gírias, expressões idiomáticas e muitas marcas da oralidade.

Além disso tudo, mesmo que sua obra seja dividida em três fases, o que falaremos mais adiante, em todas elas, Jorge Amado sempre transformou sua escrita numa ferramenta para botar para fora as suas preocupações com o mundo, ou seja, tecendo críticas sociais.

As três fases da escrita de Jorge Amado passam pelo o que era considerado de neorrealismo nordestino, um estilo dominante nos anos de 1930 na literatura brasileira. A segunda fase se caracteriza como uma espécie de realismo socialista, que expressava em muitos os seus pensamentos e ideais marxistas. A terceira fase se caracteriza pela exploração do fantástico, sensualidade e humor, sendo essa fase onde se enquadra a obra em questão.

Jorge Amado se tornou tão bem quisto e popular que suas obras foram transformadas em diversas outras mídias, tais como: novelas, filmes, minisséries e quadrinhos. As mais famosas, além dessa que estamos falando, sem dúvidas, são: “Tieta do Agreste”, “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “Gabriela, Cravo e Canela” e “Capitães da Areia”.

O baiano ganhou diversos prêmios pelo seu trabalho com a literatura brasileira, dentre eles, o Prêmio Camões e o Jabuti, os mais importantes da literatura em língua portuguesa naquela época e até nos dias de hoje. Além disso, Jorge Amado também foi indicado para a Academia Brasileira de Letras (ABL), onde ocupou a cadeira de número 23, criada por Machado de Assis que a deixou sob responsabilidade de José de Alencar como sendo o patrono dessa cadeira.

Jorge Amado faleceu no dia 6 de agosto de 2001, na cidade de Salvador, na Bahia.

PELO JEITO, AQUELA IA SER NOITE memorável, inesquecível. Quincas Berro D’água estava num dos seus melhores dias. Um entusiasmo incomum apossara-se da turma, sentiam-se donos daquela noite fantástica, quando a lua cheia envolvia o mistério da cidade da Bahia. Na ladeira do Pelourinho casais escondiam-se nos portais centenários, gatos miavam nos telhados, violões gemiam serenatas. Era uma noite de encantamento, toques de atabaques ressoavam ao longe, o Pelourinho parecia um cenário fantasmagórico.
Quincas Berro D’água, divertidíssimo, tentava passar rasteiras no Cabo e no Negro, estendia a língua para os transeuntes, enfiou a cabeça por uma porta para espiar, malicioso, um casal de namorados, pretendia, a cada passo, estirar-se na rua. A pressa abandonara os cinco amigos, era como se o tempo lhes pertencesse por inteiro, como se estivessem mais além do calendário, e aquela noite mágica da Bahia devesse se prolongar pelo menos por uma semana. Porque, segundo afirmava Negro Pastinha, aniversário de Quincas Berro D’água não podia ser comemorado no curto prazo de algumas horas.
Não negou Quincas fosse seu aniversário, apesar de não recordarem os outros havê-lo comemorado em anos anteriores. Comemoravam, isso sim, os múltiplos noivados de Curió, os aniversários de Maria Clara, de Quitéria e, certa vez, a descoberta científica realizada por um dos fregueses de Pé-de-Vento. Na alegria da façanha, o cientista soltara na mão do seu humilde colaborador uma pelega de quinhentos. Aniversário de Quincas, era a primeira vez que o festejavam, deviam fazê-lo convenientemente. Iam pela ladeira do Pelourinho, em busca da casa de Quitéria.

Foco Narrativa, Narrador e Linguagem

O foco narrativo de A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado, é sobre a verdadeira morte de Quincas Berro D’Água, o protagonista. Assim, a obra é narrada em terceira pessoa do singular, ou seja, o narrador é uma figura observadora e onisciente que sabe de tudo o que está acontecendo durante a história, o que caracteriza o narrador como heterodiegético, aquele que narra os fatos sem participar ou interferir na história.

A partir da morte do protagonista é que se desenrola as ações do enredo, fazendo diversas retrospectivas para falar da vida do protagonista antes e depois da vida boêmia que adotara. Também para narrar os acontecimentos do seu funeral e a sua “última noite de farra”.

A linguagem da obra também é marcada por esse narrador heterodiegético, pois é através dele que Jorge Amado dá destaque à história, ao fazer com que o leitor não saiba ao certo se Quincas está vivo ou se está morto, cabendo apenas ao leitor fazer essa interpretações.

Isso porque em diversas passagens ele dá voz ao defunto, com diálogos e comentários, o que nos faz acreditar, muitas vezes, que o protagonista realmente esteja vivo.

Além disso, esse narrador também carrega consigo a sina de criar o fantástico, através do recurso mencionado acima, e o poético, que se caracteriza por uma narrativa com divagações, metáforas e outras figuras de linguagem que engrandecem ainda mais a obra.

As marcas de oralidade e o regionalismo também estão muito presentes na escrita de Jorge Amado, como de praxe. Sendo assim, em diversos momentos, a história integra vocábulos, expressões idiomáticas, marcas de oralidade e gírias tipicamente baianas.

Tempo e Espaço

O Espaço da obra é a cidade de Salvador, na Bahia. Sendo que em diversas partes do livro, existem menção a diversos espaços físicos existentes da cidade.

Em relação ao Tempo físico da obra, não existe menção a um tempo exato ao decorrer da narrativa, contudo, em relação ao tempo da narrativa, pode-se caracterizar que essa obra é de tempo psicológico, pois todos os fatos narrados são lembranças que o narrador vai nos revelando.

Quitéria do Olho Arregalado libertou-se dos braços solidários de Doralice e da gorda Margô, tentava precipitar-se em direção a Quincas, agora sentado junto ao Negro Pastinha num degrau da igreja. Mas, devido, sem dúvida, à emoção daquele momento supremo, Quitéria desequilibrou-se e caiu de bunda nas pedras. Logo a levantaram e ajudaram-na a aproximar-se:
– Bandido! Cachorro! Desgraçado! Que é que tu fez pra espalhar que tava morto, dando susto na gente?
Sentava-se ao lado de Quincas sorridente, tomava-lhe a mão, colocando-a sobre o seio pujante para que ele sentisse o palpitar do seu coração aflito:
– Quase morri com a notícia e tu na farra, desgraçado. Quem pode com tu, Berrito, diabo de homem cheio de invenção? Tu não tem jeito, Berrito, tu ia me matando…
O grupo comentava entre risos; nos botequins a barulheira recomeçava, a vida voltara à ladeira de São Miguel. Foram andando para a casa de Quitéria. Ela estava formosa, assim de negro vestida, jamais tanto a haviam desejado.

Análise dos Personagens

O principal personagem dessa obra, de fato, é Quincas Bero D’Água. Contudo, mesmo não tendo a mesma importância que o protagonista, os personagens secundários são fundamentais para a história, podendo ser divididos em duas classificações, nuclear familiar (presente antes da transformação de Joaquim em Quincas) e núcleo boêmio (após a transformação do protagonista). Sendo assim, dentre eles, temos:

Joaquim Soares da Cunha ou Quincas Berro D’Água

Protagonista da história, um homem muito centrado e comedido, sendo funcionário público exemplar, muito bem visto e quisto na sociedade baiana no contexto da história até completar cinquenta anos. Depois, abandonou tudo para levar uma vida regada à bebida, prostitutas e vagabundagem.

Joaquim representa a esfera social burguesa, um homem que tenta ser o mais correto na vida, ser um bom profissional, bom marido e bom pai, mas é infeliz, vive de aparência e status, aguenta um sacamento que não mais suporta, com uma mulher que detesta, somente para agradar a sociedade.

Quincas representa a esfera social mais pobre que, mesmo menos abastada, com as dificuldades e tendo uma péssima imagem para a burguesia, é feliz, sabe aproveitar as coisas mais simples da vida, sabe viver a sua forma sem se importar com o que a sociedade ou outras pessoas vão pensar sobre si.

Núcleo familiar

  • Otacília: esposa de Joaquim, caracterizada por ele mesmo como uma jararaca, por ser uma mulher difícil. Acaba falecendo de desgosto depois que Joaquim decide se transformar em Quincas Berro D’Água.
  • Vanda: filha de Joaquim, caracterizada por ele mesmo como uma menina doce, mas que acaba sendo influenciada pelos péssimos hábitos da mãe. Ao abandonar o lar, Joaquim diz a ela para não se transformar na mãe. Contudo, quando a menina cresce, acaba herdando alguns dos péssimos hábitos da mãe, porém, de forma mais amenizada. Passa a ignorar a existência do pai, que se torna um incomodo, devido ao estilo de vida que ele adotou. Contudo, ao decorrer da trama, ela acaba meio que se redimindo ao refletir sobre a vida do pai e muda um pouco de opinião.
  • Leonardo Barreto: genro de Joaquim, marido de Vanda. Caracterizado como outro figura burguesa que se importa demais com a aparência. Também é funcionário público, trabalhando no mesmo setor que Joaquim trabalhava antes de se transformar em Quincas. Igualmente à esposa, passa a ignorar a existência do sogro devido ao seu estilo de vida, sendo ele também responsável pela ideia de arquitetar o seu velório de forma discreta, para que a alta sociedade baiana não descobrisse.
  • Tio Eduardo: irmão de Joaquim, que também se afasta do convívio com o irmão por causa do estilo de vida que ele decide seguir. É caracterizado como avarento e interesseiro pelo próprio irmão.
  • Tia Marrocas: irmã de Joaquim, que também passa a ignorá-lo após ele se tornar Quincas que, por sua vez, a caracteriza como aproveitadora e folgada, apelidando-a de saco de peidos, devido aos contantes gases mal-cheirosos que ela vivia soltando.

Núcleo boêmio

As personagens do núcleo boêmio dessa obra são, em sua maioria, todas planas, sempre representando as figuras caricatas e características de pessoas de classe social mais baixa, dos populares que realmente vivem pelas ruas de Salvador.

  • Cabo Martim: amigo boêmio de Quinas, esse é um personagem que possuía o dom da artimanha, cheio da lábia e certa malícia popular disfarçada de inteligência, mas, na verdade, ele era esperto mesmo e se utilizava disso para se dar bem na vida. Também é uma voz de autoridade e certa notoriedade no grupo de amigos, sendo bem conhecido nas ruas de Salvador.
  • Curió: amigo de farra de Quincas, caracterizado como um homem das artes, amante da poesia, responsável por divagações e ideias bem peculiares no grupo de amigos, ligado ao intelectualismo, mesmo que esse intelectualismo não seja aquele que as pessoas acreditam ser inteligência de verdade. Possui certa ingenuidade.
  • Negro Pastinha: outro dos amigos boêmios de Quincas, caracterizado como um negro forte, meio truculento, porém, bem inocente e amigável, apesar da aparência bruta. É caracterizado meio como um personagem de pouca inteligência, o que é verdade de fato, mas isso se dá mais em relação a sua visão ingênua e inocente das coisas.
  • Pé-de-vento: outro companheiro inseparável de Quincas e do bando, tido como um personagem bem razoável, bem lúcido em certos momentos e bem amalucado em outros. Ele vivia de vender sapos para a ciência, por esse motivo, sempre andava com uma jia (perereca) no bolso, chegava a falar com o animal e a tratá-lo feito gente diversas vezes, o que o colocava no limiar da loucura.
  • Quitéria do Olho Arregalado: amante de Quincas, ex-prostituta, agora dona de um bar/bordel, morria de amores pelo protagonista, a quem chamava de Berrito. Caracterizada por uma sensualidade, sendo desejadas por muitos. Uma reprodução de uma mulher negra de corpo avantajado e bonito, uma figura feminina característica em Salvador.

Quando a refrega terminou com a total vitória dos amigos de Quincas, a quem se aliaram os choferes, Pé-de-Vento estava com um olho negro, uma aba do fraque de Curió fora rasgada, prejuízo importante. E Quincas encontrava-se estendido no chão, levara uns socos violentos, batera com a cabeça numa laje do passeio. Os maconheiros tinham fugido. Quitéria debruçava-se sobre Quincas, tentando reanimá-lo. Cazuza considerava filosoficamente o bar de pernas para o ar, mesas viradas, copos quebrados. Estava acostumado, a notícia aumentaria a fama e os fregueses da casa. Ele próprio não desgostava de apreciar uma briga.
Quincas reanimou-se mesmo foi com um bom trago. Continuava a beber daquela maneira esquisita: cuspindo parte da cachaça, num esperdício. Não fosse dia de seu aniversário e cabo Martim chamar-lhe-ia a atenção delicadamente.  Dirigiram-se ao cais.
Mestre Manuel já não os esperava àquela hora. Estava no fim da peixada, comida ali mesmo na rampa, não iria sair barra fora quando apenas marítimos rodeavam o caldeirão de barro. No fundo, ele não chegara em nenhum momento a acreditar na notícia da morte de Quincas e, assim, não se surpreendeu ao vê-lo de braço com Quitéria. O velho marinheiro não podia falecer em terra, num leito qualquer.
– Ainda tem arraia pra todo mundo…

Relevância da Obra

A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água, de Jorge Amado, é muito relevante para a literatura brasileira devido ela ser uma das mais bem-sucedidas obras desse baiano na terceira fase da sua carreira literária.

Como dissemos anteriormente, esse livro se encaixa na fase em que Amado decide trabalhar com o fantástico, a sensualidade e a comédia em seus escritos, sem perder toda a sua capacidade de tecer críticas mordazes contra a sociedade burguesa brasileira em geral, não apenas à sociedade burguesa baiana.

A obra pode ser caracterizada de forma importante também pelo fato de se utilizar da sátira menipeia, ou seja, quando algum texto literário mistura o mundo dos vivos e dos mortos, pois não se sabe ao certo se Quincas está vivo ou se está morto devido ao estilo narrativo.

A dualidade está presente a todo momento nessa história, a começar pela própria identidade do protagonista, que ora é uma figura exemplar da sociedade e, para depois, se transformar num boêmio vagabundo e mulherengo. Nesse tom que se divide, as classes sociais do livro, os burgueses, a família de Joaquim, e os pobres coitados amigos de Quincas, que representam a camada mais pobre da sociedade.

O que também chama muito atenção são os significados ocultos em meio a narrativa, pois o título já nos revela que Quincas Berro D’Água foi morto mais de uma vez. Porém, a quantidade de vezes depende da interpretação de cada um.

Isso porque a primeira morte de Quincas é a sociável, quando ele abandona tudo para levar uma vida boêmia, pois a partir disso ele “morreu” para a família e para a alta sociedade. A segunda é no quartinho onde morava, quando o encontram morto pela primeira vez. A terceira morte é quando a família desfaz o Quincas no velório para trazer de volta a imagem de Joaquim, o homem respeitável. Contudo, devido aos amigos, a tentativa da família falha, pois eles o vestem de Quincas novamente, matando assim o Joaquim mais uma vez, e saem para a farra.

Além dessas várias mortes figuradas, ainda tem a morte final, que fica em aberto. Não sabemos se Quincas Berro D’Água realmente estava vivo ou morto quando ele cai no mar. A maioria das pessoas acreditam que sim, que ele estava morto e seus amigos que estavam bêbados e imaginavam as coisas, como ele falando e interagindo com eles, por exemplo. Contudo, em nenhum momento da narrativa isso fica claro, tonando-se assim um mistério, uma questão sem resposta.

A morte física do personagem teria sido na primeira vez em que foi encontrado no quartinho ou na segunda, quando ele caiu no mar? Essa pergunta apenas Jorge Amado poderia responder.

NÃO HOUVE JEITO DA AGÊNCIA funerária receber o esquife de volta, nem pela metade do preço. Tiveram de pagar, mas Vanda aproveitou as velas que sobraram. O caixão está até hoje no armazém de Eduardo, esperançoso ainda de vendê-lo a um morto de segunda mão. Quanto à frase derradeira há versões variadas. Mas quem poderia ouvir direito no meio daquele temporal? Segundo um trovador do Mercado, passou-se assim:

No meio da confusão
Ouviu-se Quincas dizer:
“– Me enterro como entender
Na hora que resolver.
Podem guardar seu caixão
Pra melhor ocasião.
Não vou deixar me prender
Em cova rasa no chão.”
E foi impossível saber
O resto de sua oração.

Até a próxima!

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