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Artigo Prof. André Rodrigues: Os erros e as cegueiras do Conhecimento

Olá leitores do Canal do Ensino,

Artigo enviado pelo professor André Rodrigues

Procusto, segundo a mitologia dos gregos antigos, era um malfeitor que morava numa floresta na região de Elêusis (península da Ática – Grécia). Ele tinha mandado fazer uma cama que tinha exatamente as medidas do seu próprio corpo, nem um milímetro a menos. Quando capturava uma pessoa na estrada, Procusto amarrava-a naquela cama. Se a pessoa fosse maior do que a cama, ele simplesmente cortava fora o que sobrava. Se fosse menor, ele a espichava e esticava até caber naquela medida.

A simbologia por trás desse mito representa a Intolerância diante do outro, do diferente, do desconhecido. Representa uma visão de mundo totalitária daquele sujeito que quer modelar todos os seres a sua própria imagem e semelhança. É a recusa da multiplicidade, da diversidade, da criatividade, da originalidade.

Procusto ou “as cegueiras do conhecimento” esteve presente, por exemplo, na consciência dos juízes de Sócrates, quando condenaram-no a morte por ter “corrompido” a juventude ateniense; esteve presente também no imaginário dos soldados romanos que perseguiam e matavam cristãos por seguir uma religião que se opunha ao paganismo e a figura sagrada do Imperador; continuou presente no Tribunal da “Santa” Inquisição que condenou à fogueira todos àqueles que eram contrários aos seus dogmas: Giordano Bruno, Galileu Galilei (foi poupado por ter negado suas teorias científicas) e até Joana D´arc;  esteve presente também na consciência dos reis absolutistas; nas revoluções burguesas; no processo de escravidão mercantil; na formação dos partidos nazi-fascistas; no extermínio de milhões de judeus nos campos de concentração, de trabalho e também nas Guerras Mundiais… (só para citar alguns poucos exemplos…)

O espírito de Procusto, esteve presente em várias etapas de nossa História e ainda continua atormentando a Escola tanto quanto o processo educativo, em outras palavras, está presente na consciência humana produzindo “cegueiras”, erros e ilusões do conhecimento. Dessa forma:

Quanto sofrimento e desorientações foram causados por erros e ilusões ao longo da história humana, e de maneira aterradora, no século XX! Por isso, o problema cognitivo é de importância antropológica, política, social e histórica.

Para que haja um progresso na base no século XXI, os homens e as mulheres não podem mais ser brinquedos inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias mentiras. O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez. (MORIN, 2003, p. 33)

Mas como perceber os erros, ilusões e cegueiras em torno do conhecimento humano? Ou melhor, como reconhecer o fantasma de Procusto? O filósofo francês Edgar Morin em seu livro: “Os sete saberes necessários à Educação do futuro”, nos apresenta algumas explicações:

O conhecimento […] é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão de mundo e de seus princípios de conhecimento[…] A projeção de nossos desejos ou de nossos medos e as perturbações mentais trazidas por nossas emoções multiplicam os riscos de erro. (MORIN, 2003, p. 20)

Portanto, o conhecimento é um processo e produto da consciência humana, na medida em que, colhe dados da realidade através de habilidades de pensamento (tradução/reconstrução); dados que são construídos pela percepção dos sentidos (tato, visão, audição, olfato e paladar); processados por nossa imaginação e linguagem; armazenados na memória e transmitidos pela oralidade. Através do processo de “tradução e reconstrução” corre-se o risco do erro, pois a Interpretação (decorrente do processo do pensar) depende da subjetividade do sujeito que conhece e de sua visão de mundo (conjunto de costumes, tradições, hábitos, crenças, etc.) que são assimilados socialmente.

Nesse argumento conceitual em torno dos erros, ilusões e cegueiras que são inerentes no processo do conhecimento humano, Morin expõe, pelo menos, duas idéias que merecem ser problematizadas: “A subjetividade do sujeito que conhece” e a “sua visão de mundo”.

Quando pensamos em “subjetividade do sujeito que conhece”, e nos remetemos a outras leituras de Morin, entendemos que o ser humano é ao mesmo tempo sapiens, no sentido de ser dotado da racionalidade, mas também é demens, isto é, capaz de condicionar seu pensamento e ação de acordo com sua afetividade, desejos, medos, perturbações mentais, por suas emoções de maneira geral. Isto quer dizer que subjetivamente, somos “atormentados” por nossas emoções que também condicionam nossas atitudes. Dessa forma, sabemos que em muitas ocasiões temos uma alta probabilidade de cometer erros e ilusões quando agimos de acordo com “impulsos” afetivos, ao ponto de mentir para si próprio ou projetar no outro nossos próprios erros, Segundo Morin:

Cada mente é dotada também de potencial de mentira para si próprio (self-deception), que é fonte permanente de erros e ilusões […] a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal fazem com que cada um minta para si próprio, sem detectar esta mentira da qual, contudo, é autor. (MORIN, 2003, p. 21)

Mas também, podemos cometer o erro de agir com tamanha racionalidade, ao ponto de nos desumanizar (perdendo o senso de solidariedade e coletividade), como nosso amiguinho Procusto, ou nossa querida Escola que pode ser caracterizada como uma “Instituição regularizadora, normalizadora de comportamentos, seletiva e discriminatória” como alega a educadora Luiza Cortesão da Universidade de Coimbra em palestra proferida no VI Colóquio sobre Instituições Escolares da Universidade Nove de Julho em setembro de 2009.

A segunda consideração que permeia a definição de “cegueiras do conhecimento” para Morin é a consciência de “visão de mundo” do sujeito, que o autor irá classificar como “paradigmas do conhecimento”, estrutura que condiciona os seres humanos a erros interpretativos da realidade, pois direciona o seu conhecimento, pensamento e ação segundo concepções que são inscritas culturalmente, é o que denomina imprinting cultural, “marca matricial que inscreve o conformismo a fundo, e a normalização que elimina o que poderia contestá-lo” (MORIN, 2003, p. 28). Portanto:

…O paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o, neste sentido, é também supraconsciente […] o paradigma instaura relações primordiais que constituem axiomas, determina conceitos, comanda discursos e/ou teorias […] Assim, um paradigma pode ao mesmo tempo elucidar e cegar, revelar e ocultar. É no seu seio que se esconde o problema-chave do jogo da verdade e do erro. (MORIN, 2003, p. 26; 27)

O fantasma de Procusto é justamente essa “Visão de mundo” fechada em si mesma, paradigmática, dogmática e totalitária que imprime uma matriz cultural que permeia nossas ações e pensamentos e que inevitavelmente conduz os seres humanos a erros, ilusões e cegueiras no processo do conhecer, fruto da consciência humana. Essa “visão de mundo” imprime idéias, valores, percepções falsas da realidade, e de certa forma, bloqueia o conhecimento do ser humano e inevitavelmente suas ações.

A Instituição escolar vem reproduzindo essa “visão paradigmática” desde a sua origem, e atualmente problemas como: evasão, repetência, indisciplina, violência, etc. são decorrentes de uma educação que não é compatível com as novas demandas culturais e sociais de educandos, e dessa forma, não oferece um tipo de ensino pertinente, global, contextualizado, que orienta uma nova leitura da realidade, ocultando possíveis erros, ilusões e cegueiras… chegar a esse tipo de conhecimento será desafio ou utopia? Derrotar Procusto ou ser seu amigo?

Essas questões estão no cerne dos debates educacionais nos últimos anos e devem ser problematizadas na perspectiva de encontrar um novo modelo de Educação, adequado com as transformações tecnológicas e científicas da atualidade.

Os desígnios do século XXI declaram novas matrizes curriculares e novos ordenamentos disciplinares para receber essa nova demanda de educandos. A complexidade dos problemas relativos à Educação atual exige novos direcionamentos pedagógicos com a perspectiva de evitar novos erros e cegueiras para as novas gerações e definitivamente aniquilar o fantasma de Procusto.

Site: www.historiaemperspectiva.com

Vídeos de História: www.youtube.com/user/andrewunesp/videos

Um abraço e até a próxima

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comentários (7)

  • Fabiana de Aguiar Inez

    Boa noite

    Por favor gostaria de publicar artigos sobre a educação.

    Obrigada

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  • RAPHAELA FARIA SANTOS

    Gostaria de saber onde esse artigo foi publicado e as informações do Autor pra citar no meu TCC. Como consigo essas informações?

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  • André Rodrigues

    HISTÓRIA…
    Quando escolhi ser PROFESSOR, encontrei resistência e desaprovação de amigos, colegas e até, em algumas ocasiões, de meus familiares… Me diziam que era uma profissão ingrata, sem perspectiva, etc… E mesmo ouvindo tudo isso e concordando algumas vezes, nunca desisti do sonho de ENSINAR…Sempre acreditei no poder transformador da EDUCAÇÃO, por isso, me sentia sempre motivado em preparar aulas, me especializar, estudar o tempo todo e até me isolar em alguns momentos, esquecendo família, amigos, namoradas…Esse é o preço que sabia que tinha que pagar para ser RECONHECIDO por meus pares, por meus alunos, pela sociedade…
    A HISTÓRIA me deu oportunidades incríveis de crescimento profissional e perspectivas que nem imaginava em meus tempos de estudante…Pude trabalhar com formação de milhares de alunos do ensino Fundamental e Médio em escolas Estaduais e Colégios particulares… Pude trabalhar em curso de formação de professores de História na Universidade, pude publicar dois livros que mostram minhas ideias e percepções sobre o futuro do Ensino de História…pude ser reconhecido profissionalmente até na internet por causa das minhas atividades com sites, video-aulas no youtube, redes sociais, etc…pude até participar de programas de TV apresentando um pouco daquilo que estudei…E certeza pra mim…isso é apenas o COMEÇO…quero muito mais…Pergunto agora para àqueles que não acreditavam em meu potencial: AGORA ACREDITAM QUE É POSSÍVEL LUTAR E SER FELIZ SENDO PERSISTENTE EM NOSSOS SONHOS?

    Um abraço a tod@s…

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    • Fabiana de Aguiar Inez

      Boa Noite:

      Gostei muito do artigo acima… Parabéns

      Por favor gostaria de saber como faço para publicar artigos sobre a Educação no site; pois também sou Professora e gosto muito da educação.

      Obrigada

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  • Alexander Diaz

    Minhas felicitações pelo texto, me conforta muito saber que exitem profissionais de ensino preocupados em transformar o ensino, que estão preocupados com a nova era onde a instituição “escola” parece não acompanhar as mudanças das novas gerações, muitas mantém-se arcaicas com sistemas de ensino completamente ultrapassados, feitos para formarem “gente-padrão”, não valorizam os alunos questionadores mas sim os que tem capacidade de reter informações, valorizam a obediência e não o autoconhecimento, nem muito menos o pensamento filosófico e a autodisciplina.
    É dura sua missão de educador, principalmente porque o Estado na figura dos políticos oportunistas e inconsequentes só faz sucatear o ensino e desvalorizar os mestres.

    Sucesso e Parabéns Prof. André e ao Canal do Ensino na figura do meu amigo José Batista.

    Alexander

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  • André Rodrigues

    Olá amigo Claison Melo…

    Muito obrigado.
    Saiba que em toda minha prática educativa, nunca deixei de acreditar no poder transformador da Educação.
    E mesmo sendo UTOPIA para muitos… pra mim é missão!
    Um abraço a você e sucesso em suas aulas e projetos…
    Juntos, sim, podemos evitar o fantasma de Procusto!

    André.

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  • Claison Melo

    Excelente análise.
    Parabenizo o Canal do Ensino e o Prof. André Rodrigues por presentear a rede, mais uma vez, com informações tão importantes e de grande valor. E, devo dizer, utopia ou não, não hei de deixar, como educador, que a escola (e sua cegueira) e eu (e minha cegueira) sejamos amigos de Procusto. Haveremos, juntos, de encontrar o estado ideal para que os educandos possam, mesmo envoltos de tantas matizes diferentes, enfim conquistar uma educação libertária, inquiridora e que lhes faça capaz de se autoquestionarem.
    Parabéns a vocês!

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